sábado, 2 de abril de 2011

Pão e Circo

É de tempos remotos (mais especificamente na Roma Antiga) a cultura dos espetáculos sanguinolentos nas arenas, para diversão e deleite do povo. É claro, junto ao sangue e ao delírio do populacho, era-lhe oferecido também o pão, como uma inteligente estratégia para abrandar qualquer tentativa de reação. Assim, os súditos se extasiavam e a felicidade reinava por aquelas bandas (ao menos por um certo período).


Por isso os “bons ventos”, na melhor das intenções, cruzaram oceanos e séculos e sopraram essa fórmula do “bem-viver” para nossos dias. E cá estamos, todos nós, fazendo justiça à história da civilização, recebendo de bom grado todo esse espetáculo que monopoliza nossas noites de verão.


Não, não estou me referindo a nenhum drama de Shakespeare! São as profundas intrigas dos brothers, que (des)obrigam o povo a pensar sobre o sentido da existência humana. Afinal, para que pensar? Para que servem Nietzche, Schopenhauer, Sartre e tantos outros mestres do pensamento humano, se a hora está para “torcer” para aquele que mostrar mais “talento cultural”? Quem se importa se o valor do salário mínimo não dá para o mínimo das necessidades da cesta básica? “O preço do feijão não cabe no poema”, já dizia o poeta. Também não cabem no poema (e nas rodadas de conversas) as filas nos hospitais, as salas de aula sem professores, e tantas infelizes e infinitas mazelas sociais.


O que importa, hoje, é saber o que pensam (ou melhor, o que falam) as Natálias, as Dianas, os Maurícios, as Marias, ou seja, os “nossos heróis” da telinha nas noites de verão.


É pão e circo novamente. Mas ao invés de lutas e sangue, temos fofocas, bebedeiras e sexo, para gregos e romanos e brasileiros. São muitos palhaços dando piruetas em suas próprias futilidades. E promovendo a imbecilidade coletiva.

quarta-feira, 9 de março de 2011

“Inferno de Dante”


“Inferno de Dante”

O fantástico livro “Divina Comédia”, do poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321), leva-nos a percorrer, alegoricamente, os caminhos do Inferno, do Purgatório e do Paraíso – estas duas partes finais têm uma visão mais lírica da condição humana. É na primeira parte, no entanto, a do Inferno, que o poeta nos faz conhecer os mais altos níveis da sordidez humana e da angústia de suas paixões.

Estou trazendo essa referência porque andar pelo centro da nossa cidade, em horário comercial, transformou-se em obrigação torturante. São dezenas de estabelecimentos comerciais tentando “capturar” clientes através de decibéis que vão além dos limites propostos pela OMS. Caixas de alto-falantes com músicas ininteligíveis (sim, porque a loja ao lado também tem esse equipamento sonoro, cada qual querendo ser mais ouvido que o outro), com anúncios de ofertas ou pessoas fantasiadas abordando os transeuntes. Além disso tudo, temos os carros ou motos anunciando freneticamente nas ruas, disputando a atenção dos prováveis (eu diria impossíveis) consumidores com as buzinas berrantes e motores barulhentos dos carros e ônibus.

Eu me solidarizo com os comerciários e comerciarias, que são obrigados a se submeterem a esse infernal cenário durante todas as horas de sua jornada. E ainda manterem um sorriso especial em seus rostos cansados e ouvidos maltratados. A nós, consumidores insatisfeitos, porém, restam opções: buscar outras paragens, outros cenários menos caóticos, em que se reconheça um pouco do Purgatório ou do Paraíso, na delícia de admirar vitrines e, por que não, entrar no silêncio da loja e fartar-se.

Afinal, como já disse outro poeta, agora o contemporâneo Mario Quintana, “E hoje o que mais se precisa é de silêncios que interrompam o ruído”.